domingo, 13 de junho de 2010

Projeto de roteiro de longa-metragem - concurso do MinC

MONSTROS E PALHAÇOS
Argumento de Marcos Paza

CONCEITO DE LONGA METRAGEM
Monstros e Palhaços trata sobre um tema insólito nos dias atuais: o desaparecimento de pessoas, principalmente crianças, sem deixar rastros, apenas especulações. O filme desenvolve algumas destas especulações: tráfico de crianças para o exterior; uma organização secreta que engloba médicos, políticos e polícias numa rede hedionda de criminosos que comercializam órgãos humanos. A ideia é realizar um filme policial como os produzidos pelo cinema americano e ambientados basicamente no sul do Brasil, com desfecho na mesma região.



















PERSONAGENS
Todas as peripécias serão vividas pelo escrivão de polícia, viúvo recente e deprimido, Roberto Figueroa, que sai de trás de uma mesa para investigar crimes, instigado pela amiga virtual (salas de bate papo na internet) norte-americana Karen O'Brian, agente destacada do FBI para a INTERPOL, especialista em encontrar pessoas desaparecidas. Ambos se encontrarão na cidade de Porto Alegre em poucos dias e logo decifrarão algumas pistas que abalam a confiança e a amizade que Figueroa tem pelo chefe, o delegado Antônio Morelli. O rumo das investigações mostrará atividades criminosas no interior do estado do Rio Grande do Sul, Europa e Estados Unidos.
A trama tem uma estrutura de tempo linear (início, meio e fim), sendo que o prólogo do filme apresenta três lugares e situações distintas e aparentemente desconexas que serão relacionadas no terço final do filme.


























ARGUMENTO

Esta é a história de um homem que perdeu tudo em que acreditava quando sua esposa e filha de cinco anos morreram em trágico acidente de automóvel. Após três meses, sua vida continua banal e monótona, sempre com a barba por fazer e roupa desalinhada, com camisa para fora das calças, era: casa, bebidas, internet, delegacia de polícia e casa novamente. Roberto Figueroa é um policial de 38 anos exercendo uma atividade burocrática como escrivão longe da ação de antigamente. Algumas vezes é assaltado pelo mesmo pesadelo: encontra-se na platéia de um circo ao lado de seu pai assistindo a um número com palhaços que colocam uma criança numa caixa para ser serrada ao meio logo em seguida, porém, ao fixar o olhar na criança percebe que se parece muito com sua filha Lídia, que grita horrorizada; ele vira-se para o lado de seu pai e já não o encontra mais, de repente não há mais ninguém na platéia, apenas ele nas arquibancadas, três palhaços no picadeiro e a menina na caixa já separada em duas. Então, os palhaços vêm em sua direção com expressões horrendas, sardônicas e com serrotes nas mãos. Acorda. Liga o computador e entra em algumas salas de bate papo na rede. Conhece uma americana que também é policial e investiga pessoas desaparecidas em seu país. Karen O’Brian, 34 anos, divorciada e sem filhos, aprofunda a relação virtual com Roberto a ponte de conhecer o drama do mesmo e fazê-lo refletir sobre alguns detalhes do desaparecimento da filha, uma vez que o veículo caiu de uma ponte numa noite chuvosa quando voltavam de uma viajem da casa dos avós da pequena Lídia, em Soledade, interior do Rio Grande do Sul. Helena Figueroa, 32 anos, foi encontrada presa nas ferragens e teria morrido por afogamento no rio; já alguns indícios como a porta do carona aberta, casaco e boneca encontrados a alguns quilômetros do local do acidente deixavam evidente que a menina teria sido arrastada pela correnteza do rio para dentro do estuário do Guaíba.
Roberto dirige-se para seu local de trabalho, uma delegacia de polícia distrital, onde o aguardam com uma pilha de documentos em sua mesa e uma fila de pessoas para registrar suas queixas: briga de marido e mulher, adolescente portando drogas etc. Em dado momento, num gesto robotizado e com o olhar fixo num mural próximo da entrada do prédio, uma série de fotografias e a frase “PESSOAS DESAPARECIDAS” rouba-lhe a atenção a ponto de seu chefe sacudi-lo para que possa ser escutado. O delegado Antônio Morelli, 48 anos, colega e amigo de Figueroa (Roberto), como era chamado pelo mesmo, acompanhou de perto a tragédia do amigo, sendo ele conterrâneo de sua falecida esposa e a ter conhecido desde menina, e insiste que ele tire uma licença-prêmio, descanse um pouco mais ou faça uma psicoterapia intensiva para tentar superar o trauma. Ele sai de sua mesa em direção ao mural e Antônio segue-o. Figueroa comenta que não tinha reparado naquele mural, posicionando-se bem no centro e perscrutando cada foto com um interesse que destoa completamente do homem aprumado e desolado de minutos atrás. Desconcertado e achando que o colega estava realmente perdendo o juízo, Morelli volta até a mesa de Roberto e chama um jovem estagiário para continuar atendendo um casal impaciente que principia uma briga.
Em casa, Roberto começa uma busca obsessiva por crianças desaparecidas e contata Karen novamente para saber sobre a atividade dela com a INTERPOL, como investigam e descobrem os casos que envolvem crianças desaparecidas. Embriagado e sonolento, fica incrédulo com as hipóteses e algumas confirmações de Karen sobre redes de tráfico humano com o único propósito de extirparem os órgãos para venderem a ricaços que não esperam na fila de doação como os demais, compram a sua saúde ou de um filho por milhões, não se importando com o ser humano “doador”, que não passa de uma casca após retirar-se a polpa. Novamente é assolado pelo mesmo sonho, porém com uma variação: a menina serrada na caixa é nitidamente Lídia e um dos palhaços está com um coração pulsando nas mãos.
Num pequeno sítio afastado da cidade de Erechim, completamente isolado, sem viva alma no descampado ao redor de uma casa rústica e um curral, quase amanhecendo, encontra-se um menino seminu, correndo em direção a porteira que está fechada e é muito alta; então, o garoto percorre a cerca de arame farpado com linhas bem estreitas; desesperado, ele agacha-se e escava com as mãos a terra próximo à cerca. Ao longe, avistamos uma mulher com traços rudes indo em sua direção, numa mão carrega um rebenque e na outra uma coleira com tirante. Um grito e choro de pavor se escuta, quando Dona Wilma, 55 anos, se aproxima da criança com um sorriso gelado e cadavérico, agigantando-se sobre ela com a certeza de que tudo acaba ali.
Limpo, barbeado e bem arrumado, Roberto vasculha vários recortes de jornais e pastas com casos de pessoas desaparecidas em sua mesa, alguns recortes tratam de matérias sobre tráfico humano. Morelli admira-se de ver o seu escrivão retomando o aspecto normal que conhecia e o aborda intrigado, “só pode ter uma explicação: é uma mulher!” Contudo, sua alegria se desfaz quando percebe a natureza do material sobre sua mesa, o homem está doente, realmente perturbado, conclui. Conversam e Morelli convence o amigo a tomar umas cervejas depois do trabalho.
Durante o happy hour, Figueroa faz uma bateria de perguntas ao colega sobre os detalhes do acidente de sua família, o que, desconversa Morelli, ele deveria esquecer, pôr uma pedra em cima. Então, como quem não quer nada, ele indaga sobre quem é a futura Sra. Figueroa, que o despertou da terra dos mortos. Roberto indigna-se com a piada e conta sobre a amiga virtual americana e suas conversas, que, por sua vez, não convence o amigo, fazendo, este, mais piadas de conotação sexual ao primeiro.
Em Tijuana, fronteira do México com Estados Unidos, uma operação da INTERPOL, do FBI e do Departamento de Imigração americano desbarata uma quadrilha de traficantes e “coiotes” que mantinham em cativeiro algumas crianças sul-americanas, incluindo duas brasileiras, completamente catatônicas, quase em choque.
No meio da noite um telefonema acorda a agente Karen. Após escutar a voz do outro lado por alguns segundos, dá um pulo da cama e diz que já está a caminho.
Pela manhã, num hospital americano, Karen é conduzida por um colega de campo do FBI até uma ala reservada às crianças maltratadas e sem identificação alguma. Conversa em espanhol com elas, mas esbarra em duas que ficam totalmente mudas. De repente, a menina começa a chorar e fala em português “eu quero a minha mãe!” Vou encontrar sua mãe, vou te levar até ela! Responde decidida à criança.
No sítio em Erechim, ao cair da noite, carros importados estão estacionados no pátio. Dentro, quatro homens de terno conversam com Dona Wilma, orientando para ser cuidadosa e mandando a velha enfermeira sedar uma criança para fecharem um negócio na Europa. A mulher desce até um porão com um fundo falso como porta. Lá, há um quarto forrado como um estúdio de som, com quatro camas e uma iluminação como laboratório de fotografia. No canto de uma parede, próximo ao teto, um ar condicionado tipo splitter refresca três crianças sonolentas. Ao retirar uma menina da cama D. Wilma passa pela cama vazia onde se encontra uma coleira amarrada na cabeceira e manchas de sangue nos lençóis. Um dos homens de terno pede pelo menino maior e mais forte. A mulher informa que este não poderá ser útil porque tentou escapar e não resistiu aos ferimentos causados pelo arame farpado. Um dos homens avança para cima dela enfurecido, questionando como uma enfermeira experiente não evitou isto, apertando-lhe o pescoço, acusa a mesma de tê-lo matado por prazer, torturando-o. Após os outros afastarem o comparsa da mulher, esta rebate que se o que ela faz é por prazer, qual é o prazer deles. Eles se calam. E informam que a célula mexicana caiu e não puderam queimar a mercadoria. Havia duas crianças brasileiras e uma delas passou por esta célula. E o pior: estavam na mão dos americanos, que em tudo metem o bedelho. Se a criança lembrar de alguma coisa que aponte para este lugar ela seria informada e já saberia o que fazer. E deveria ser rápida, ou ela e a família dela pagariam o preço.
No depósito de ferro velho da polícia, Figueroa procura junto com o responsável pelo setor, seu Raimundo, o carro da mulher dele, que ficara como evidência da perícia. Encontra e pede para ficar alguns minutos sozinho com o veículo. Seu Raimundo pondera, dizendo que era ilegal, mas se compadece do colega dá três minutos ao mesmo. Ele tira do bolso um celular com câmera e começa a tirar várias fotos. Percebe alguns cortes transversais no acento do carona, como se fossem feitos por um estilete ou uma faca. Fotografa e sai. De repente ele pára, volta como um raio e procura o cinto de segurança que não poderia estar protegendo sua filha, uma vez que, conforme o laudo da perícia, a porta se abriu com o impacto e ela não estava presa, sendo levada pela correnteza do rio transbordado. Põe a mão por baixo do acento, acha uma parte e puxa para cima, procura outra e junta as partes que se encaixam como se fossem cortadas na mesma altura do talho que marca o acento de Lídia. Ele fotografa chorando copiosamente. Pressente a vinda de seu Raimundo, guarda o celular no bolso rapidamente e o velho o abraça, levando-o dali, advertindo que não era uma boa idéia o que fizera. Foi uma ótima idéia, disse Roberto para um sujeito que nada sabia.
Em Zurique, numa tarde fria, dois homens de terno entram numa clínica clandestina, que, de fato, oculta um bloco cirúrgico completo para transplantes. São revistados por cinco seguranças armados e com detectores de metais. A caixa térmica é passada a um médico com máscara que a examina, acena positivamente com a cabeça e um outro vestindo um Armani passa uma maleta preta repleta de euros. Ambos saem. Dentro do bloco, o médico inicia o transplante.
Na tela do computador de Figueroa lê-se um e-mail de Karen com fontes bem grandes: CHEGO EM SUA CIDADE HOJE À NOITE, ÀS 22H, NO VÔO DE LOS ANGELES. TRAGO NOVIDADES. ESPERE-ME COM UM CARTAZ DE WELCOME! BJS. Logo em seguida, ele passa pela porta de seu apartamento, tentando fazer um nó de gravata que não fica bem certo.
Aguardando no hall do aeroporto Salgado Filho, segurando uma cartolina escolar, que fora da filha, com o nome de Karen, Roberto sente-se um idiota. Então, uma mulher loira, quase da sua altura, vem em sua direção sorrindo e abanando, como se fossem velhos amigos que não se viam há muito tempo. Ela o chama pelo primeiro nome e o abraça forte. Sussurra em seu ouvido que está aqui disfarçada, como turista, enganchando o braço no policial e dirigindo-se à saída. Pouco mais a frente, agentes da polícia federal e câmeras de TV e fotógrafos aglomeram-se num dos portões. Karen lhe diz que isto é parte da novidade. Boquiaberto, Figueroa pega um táxi em direção ao hotel reservado. Conversam em inglês sobre a visita inusitada e ela lhe explica sobre a operação em Tijuana, as crianças brasileiras resgatadas e que uma delas era de Gravataí. Como ficaria difícil ocultar da imprensa este tipo de situação, seu colega, o agente especial David Caruso viria oficialmente acompanhando a menina e compartilharia com a polícia federal os dados da operação.
Pela TV, um dos homens de terno, o Dr. Laércio Ramos, 49 anos, cirurgião e legista, assiste a reportagem da menina seqüestrada e resgatada na fronteira dos EUA. Ergue um telefone, disca e conversa por alguns segundos. Desliga, levanta-se de sua poltrona, chama a esposa e comunica que terão que deixar o Brasil por tempo indeterminado. Ela olha para a TV e vê uma criança chorando no colo de uma mãe muito pobre, ao lado estão o americano e os federais. Depois, olha para o marido e começa a chorar.
Figueroa e Karen jantam e conversam sobre suas descobertas: ele conta sobre a análise efetuada no seu carro e mostra as fotos tiradas; ela conta-lhe sobre os detalhes da casa que a menina Carol teria ficado escondida, que, provavelmente, ficaria no interior do estado. Segundo ele, com os dados fornecidos, seria como procurar uma agulha no palheiro. Também trocam informações pessoais, sobre suas famílias, frustrações, sonhos etc.
David se junta à dupla no restaurante. Karen faz as apresentações. Conversam e combinam um passeio na manhã seguinte, um sábado.
Próximo ao seu apartamento, Roberto é atacado por três homens encapuzados, que anunciam um assalto, espancando-o violentamente com cassetetes policiais, rasgando-lhe as vestes e roubando carteira, celular, relógio e sapatos. Sua sorte ou azar era que nunca portava arma. Ou matava ou morria com a própria arma. Não levaram suas chaves. Ergueu-se cambaleando em direção ao prédio. Dentro do banheiro entendeu o que houve, pegou o telefone e ligou pra casa de Antônio. Jussara, sua mulher atendeu, embriagada de sono, informando que ele estava fazendo uma operação especial. Tentou no celular dele, caiu na caixa postal. Deixou recado. Ligou para o hotel pedindo para falar com Karen. Disse que não poderia confiar em mais ninguém agora. Ela pediu seu endereço, ele relutou mas deu-lhe mesmo assim.
Numa rua escurecida pelas árvores que obstruem as luminárias públicas, dentro de um carro a brasa de um cigarro era constante. Alguns metros além do automóvel três homens caminhavam em passos largos, alcançando o mesmo. Entram todos. O motorista pergunta pelo celular. Um deles no banco de trás passa para frente. O motorista grita: filho da puta! Um bipe de mensagem se escuta dentro carro. O motorista ao aproximar o aparelho para ler, revela o rosto do delegado Antônio Morelli indignado. No celular: Morelli seu puto eu sei tudo. Me encontra amanha no largo Glênio Peres ao meio dia ou te fodoooo. O motorista joga o cigarro pela janela, liga o motor e diz para os outros: Figueroa de merda! Vamos acabar com este otário amanhã! Quero ele junto da daquela vadia da mulher dele!
Na cozinha do apartamento de Roberto, Karen serve um café fumegante para ambos. Pergunta-lhe se pode fumar e se fuma; ele concorda, mas parou há muito tempo atrás, quando conheceu Helena, uma naturista e ecologista de carteirinha. Também perdera o pai com câncer nos pulmões. Mas esta noite quebraria a regra. Aceitou. Em cima da mesa havia uma pasta de arquivo da polícia e pediu para Karen ler. Abriu a pasta e folheou as páginas, desculpando-se por não entender português tão bem quanto espanhol. Ele traduziu o laudo da perícia para ela. Não bate com as fotos que você tirou! Exclamou a detetive. Pelas fotografias, ela expôs uma teoria de que haveria mais uma pessoa no carro, no banco de trás. Ele lhe diz que tal pessoa só poderia ser o seu chefe na delegacia, o que, por sua vez, Karen tenta entender como Roberto chegara a esta conclusão. Veja na tela do meu computador, aponta o escrivão. Ela questiona o que um médico caçado pelo conselho faz na história e ele lhe mostra o laudo novamente. Mas o que eu preciso ver... Então, Karen arregala os olhos e enxerga a assinatura do legista caçado e do delegado Morelli. Fuck! Exclama uma descobridora de enigmas.
Em bairro luxuoso de Porto Alegre, o carro de Antônio Morelli aproxima-se de uma guarita com dois seguranças parecidos com ninjas, uniformes pretos e armados, que reconhecem o superior e abrem o portão.
Na porta da casa, Laércio recepciona o amigo com uma série de malas prontas na sala. Ao comunicar os fatos, o médico diz ao delegado que já esperava este desfecho e, que o melhor a fazer era ir para Europa, abandonar o país por alguns anos, depois tudo esfria. Morelli tomado de raiva diz que tem que cortar o mal pela raiz, acabar com o escrivão idiota e dar cabo dos americanos abelhudos também. O médico adverte que se ele não sair agora, a organização limpará todos os rastros que levam às células e aos chefes, queima total. O policial fica mais irritado com o tom de ameaça do outro e informa que quando entrou no jogo sabia as regras e não seria um pé de chinelo que o colocaria para correr. Chamou o médico de covarde e frouxo, virando-se e batendo a porta.
Deitados um ao lado do outro, frente a frente, apoiados com as cabeças nas mãos, Karen e Roberto perderam o sono. Ansioso pelo encontro com o colega para obter mais fatos do assassinato de sua mulher e filha, não conseguindo conter um ódio descomunal que brotava a cada segundo que especula sobre os motivos, qualquer coisa que tenha feito no passado para magoar o monstro que se configurava em sua mente, ele desabafava tudo com amiga, agora, real. Karen pedia calma a ele e que levasse tudo às autoridades local, procurasse a corregedoria ou o ministério público, pois não se tratava de alguns simples bandidos e corruptos de baixo escalão, a coisa era grande demais, era um monstro com tentáculos internacionais, corta-se um, nasce outro. Ambos refletem muito sobre tudo, Ética, Moral, Religião, direitos humanos, pobreza dos países do terceiro mundo. De repente, um barulho na porta assusta-os. Karen saca uma arma automática de dentro de sua bolsa que estava ao lado da cama, no chão. Pergunta se tem alguma arma no quarto, ele responde que não ter armas em casa, era outra exigência da esposa e da filha. Um policial desarmado, no país de Cidade de Deus é coisa nova pra mim! Exclama, retirando do meio das pernas uma míni pistola 22 mm e passando para ele. Figueroa recusa e pega em baixo da cama um cassetete de ferro retrátil, esticando-o rapidamente no ar. Ela pega seu celular e pressiona um botão: cavalaria a caminho!
David fora preparado por Karen antes de deixar o hotel, aguardando-a num táxi na esquina do prédio de Roberto. Viu três homens suspeitos, com jeito de militares que fazem serviços especiais, entrarem no edifício. Descera do táxi e os acompanhou a certa distância. Ao receber o alerta combinado, sacou a Glock 9 mm e disparou escada acima.
Um ruído de passos na sala em direção ao quarto fica cada vez mais audível, um movimento suave na maçaneta, um lento entreabrir de porta e um facho de lanterna de bolso apontando para a cama onde um Figueroa dorme todo enrolado no lençol, é abordado por dois dos brutamontes com cassetetes na altura da cabeça. Um berro e a lanterna é arremessada para longe no quarto. Karen liga outra sobre a arma em mira aos dois na borda da cama, um vira-se rapidamente ignorando o “parado”, carregado de sotaque e avançando em sua direção, se estatelando no chão com um golpe de ferro nas pernas. A luz da sala é ligada, sai para fora do quarto o sujeito encapuzado que segurava a lanterna com a mão pendurada, completamente quebrada. David tenta acertá-lo com uma coronhada mas ele se esquiva com rapidez do agente, escapulindo; entra no quarto, liga o interruptor, e dá um comando em inglês, esquecendo-se que está no Brasil. Os encapuzados atravessam por cima de David, fugindo.
Num bairro pobre de Gravataí, em pleno sábado ensolarado, uma multidão de pessoas, entre parentes e vizinhos, comemoram o retorno da pequena Carol. Muito churrasco e cerveja exaltam o momento. Afastado do grupo feliz, um homem assiste do interior de seu carro aquela palhaçada, com direito a cobertura nacional por uma imprensa sensacionalista, o que aumenta a fúria de Morelli, enquanto este liga o carro para encontrar seu colega escrivão.
No centro da cidade faz muito calor, 32 graus no relógio da Praça Argentina. Próximo a uma banca de revistas está Figueroa, cheio de hematomas e escoriações, folheando um jornal com a história da menina que logo mais iria para um banco de dados da PF para começar o processo de reconhecimento das pessoas suspeitas. Muita gente circula no largo naquele momento, alguns policiais militares caminham de um lado para o outro. Enfim, Morelli se aproxima do colega com os olhos injetados de ódio. O escrivão contém-se ao máximo para não avançar sobre o outro, sacando o ferro retrátil enfiado nas calças. Começam sua conversa com aspereza, o delegado tenta saber o quanto o idiota realmente conhece, se não vai falar demais e se complicar mais ainda com o organização. Num ímpeto, Roberto despeja uma série de informações documentadas que detém, deixando-o perplexo com a segurança das informações. Então, o passarinho começa a cantar, confirmando nomes e localização de algumas células. Figueroa começa a sentir medo pelas coisas que vai ouvindo, por ter que carregar tanta sujeira na mente. Aí, chegou o momento da peça fundamental: sua mulher e filha onde se encaixavam neste complô diabólico contra a humanidade. O delegado rebate com outra pergunta: você sabe tanta coisa e não entendeu como aquela vagabunda se encaixa? Ao ouvir isto, cerrou os punhos e partiu para cima do outro. Morelli mandou o valentão olhar bem em volta, aqueles gorilas e mais uns quatro mal-encarados o fitavam com gana. Aprumou-se e escutou a lengalenga de apaixonado e descornado mais estapafúrdia de sua vida, um asco lhe subia pela traquéia, ao saber da paixão por Helena na sua infância em Soledade.
No fim de semana que morreram, ele estava visitando a mesma cidade, foram passar o dia dos pais lá. Levou consigo o amigo Laércio, já que Roberto, que tinha pai falecido, ficou de plantão na delegacia convenientemente escalado pelo delegado amigo. À noite, chovendo muito, Helena e Lídia iam à frente, tomando certa distância do BMW de Laércio e Antônio, pois o havia repelido durante o dia por cercá-la com declarações baratas. Com a estrada muito escorregadia eles deram sinal de luz para pararem. O delegado ofereceu-se para dirigir, ela recusou, mas a pequena Lídia pediu para o tio Toni ir junto. Ele entrou atrás. Passado alguns minutos, Morelli começou a aborrecê-la novamente, deixando a menina nervosa, a ponto de a criança tentar agredi-lo. Irritada com ele, a esposa do escrivão distraiu-se, derrapou próximo a um a ponte, e, o delegado, num átimo, tenta pegar o volante projetando-se para frente, mas o choque é inevitável, despencam para dentro de um rio com forte correnteza.
Laércio desce em socorro do grupo, mas é tarde para Helena que quebrara o pescoço, a menina estava em choque mas viva. Com um bisturi, o médico a solta do cinto emperrado, escancara porta e retira a criança. Antônio, quase histérico, aos prantos culpa a pequena Lídia, deseja que a criança tenha morrido, por tê-lo feito perder sua amada desde a infância, só poderia ser filha daquele escrivão imbecil! Os dois na estrada precisavam agir rápido: Laércio revela ao amigo o trabalho sujo que presta a uma organização internacional, primeiro ele se horroriza, depois aceita pelos valores astronômicos do negócio. Exalta ao colega o poder que ambos têm, ele em pé, com a menina aos seus pés, todo encharcado, discursando como um pregador para o outro, que, de joelhos, se rende ao plano do médico legista.
Animal e porco imundo são algumas das palavras iniciadas pela boca de um homem com os olhos mareados, a boca espumando de raiva, a barra de ferro na mão, sem mais nada para perder, ergue o braço quando Antônio saca um revólver e grita “Polícia!”
Viaturas da PF descem a Avenida Borges de Medeiros, vários agentes cercam o delegado. Dentro de uma das viaturas se encontram Karen e David. Forma-se um tumulto, pessoas correm no entorno, outras espreitam. O chefe da operação dá voz de prisão ao mesmo. Não adianta resistir, toda a conversa foi gravada. Delegado, é melhor se entregar. Antônio Morelli, alucinado, encosta o cano do 38 na têmpora: Que se foda!
No aeroporto, Laércio e sua mulher, Maria, estão no deck de saída, quando um movimento de pessoas exagerado se apresenta em sua frente, logo em seguida, dois agentes da PF os abordam pelos lados, dando voz de prisão e algemando o doutor.
Em Erechim, no sítio isolado, deslocando-se furtivamente e aproximando-se da casa, agentes a invadem, perseguem dona Wilma que foge por uma janela, dando-lhe voz de prisão quase no meio do mato; insistindo na fuga, ela se emaranha nos arames farpados, gritando e praguejando muito.
Karen e David entram com os agentes no cativeiro. Vasculham de cabo a rabo, exaustivamente. No porão, após analisar um cano de ar que percorre um canto da parede, penetrando-a , Karen pede para a equipe quebrar aquela parede. Após muita poeira de cimento, o grupo vê as camas e três crianças sedadas. A agente as examina, não acreditando no que ela mostra ao colega David: uma menina, magrinha, loirinha. Esta é a filha do escrivão, Lídia Figueroa! Todos começam a deixar a casa, e Karen sai com Lídia no colo. Talvez, uma lágrima tenha escorrido por seu rosto.

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